UM ENSAIO DE MIM




[...] Nada escapa tanto e tão obstinadamente a nossa atenção quanto “as coisas que estão à mão”, o que está “sempre aí” e “não muda nunca”. É como se elas “se escondessem sob a claridade” – sob a luz enganosa e ilusória da familiaridade! Sua “normalidade” é uma espécie de cortina que impede qualquer inspeção. (44 Letters from the Liquid Modern World. 2010. p.7) 


Como todo alguém que já viajou para longe (km/hr à parte)
Sabe que enquanto não fizer uma pequena parada pelo menos para se olhar no espelho de um restaurante à beira da estrada,
Não vai conseguir cantar o restante das músicas de fundo de viagem.

Seja qual for o local da morada em que tiveste como ponto de partida,
a mala que foi feita com destino às construções de mais lembranças para o seu histórico de vida deve ser o fator primeiro para os planejamentos,
de quem e o quê deixar para trás.

Certo. Não faz mal levar consigo alguns, poucos, vestígios do passado. 
Eles de alguma forma te norteiam.
Não ao futuro. Este é sempre incerto. 
Te norteiam no agora. 
Afinal, a bússola sempre aponta para o norte.
Mas aponta em tempo real. 

A estrada concomitantemente é sinuosa. 
Por isso o conselho de um sábio diz que é melhor deixar alguém que já chorou pela perda de um filho nesta mesma estrada guiar a carruagem.
Uma escolha difícil? 
O cocheiro viajante garante deixar você no restaurante à beira da estrada quando você precisar. 
E te esperará voltar. 
Acredite, ele mal vê a hora de voltar a escutar você tocar aquela viola repetida.

A noite chegará e você não vai querer descansar.
E o cocheiro agora é seu amigo.
Mas você não vai conseguir com ele conversar. 
Só vai pensar. 
E isso você faz como ninguém.

Você planejou ir sozinha para um lugar novo; escutando sua playlist de músicas nostálgicas; 
planejou uma mala de aventura, mas não considerou os perigos;
Chegou a confiar no GPS multiuso.
Dos vestígios, você colocou apenas um livro antigo. 
Mas esqueceu que dentro dele estava lá, entre as folhas, a flor seca do amor líquido que você viveu.
Que você viveu.

Sua melancolia te toma e você olha agora o cocheiro viajante do século passado ao seu.
Você acha que ele não vai te entender, pois pensa "no seu tempo não havia a liquidez do olhar".
Até que ele te diz "Perdi meu único filho, aqui, nesta estrada"
Você então considerará sua dor e movida pela ausência de sentimentos pela flor seca, desta só lhe restam lembranças, a dará ao cocheiro viajante. 

Pensando em íntimo "Ele perdeu um filho e ganhará uma flor seca que tem lembranças. Mas estas são minhas, não dele. Ele lembrará de mim e da gratidão por ter me guiado na viagem incerta. E o ciclo do meu Eterno Retorno se quebrará aqui."
Ahhh... a ingenuidade da melancolia, ela está alheia ao outro.
Ela vive de memórias.
E a viagem para um lugar novo é mais uma na história de sua vítima. 

M.I.M.
Geralmente pessoas melancólicas pensam tanto sobre si mesmas e suas vidas, raramente numa mesma perspectiva sobre o outro, que assim se tornam sem ao menos perceber - um Eterno Retorno.

BAUMAN, Zygmund. 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno. Tradução autorizada da primeira edição inglesa, publicada em 2010 por Polity Press, de Cambridge, Inglaterra. Jorge Zahar Editor Ltda. 2011. último acesso 21/07/2017 <file:///C:/Users/Girl's%20Melo/Downloads/BAUMAN,%20Zygmund.%20%2044%20cartas%20do%20mundo%20l%C3%ADquido%20moderno.pdf>










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